Visões divergentes sobre reparações do crime socioambiental da Braskem em Maceió, capital alagoana, dominaram a audiência pública da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, que debateu o tema nesta quarta-feira (20) com representantes das vítimas e autoridades federais e estaduais.
Para o defensor público da União Diego Alves, o colapso parcial de uma das 35 minas de sal-gema, no início do mês, ocorreu com menor impacto graças a várias ações preventivas, como a interdição de área correspondente a cinco vezes o raio de cada poço e os acordos para desocupação de imóveis e indenizações, iniciados em 2019. “Caso esse acordo não tivesse sido formulado lá atrás, nós teríamos uma situação de desastre muito mais grave hoje”, ressaltou..
Mais de 60 mil moradores vizinhos às minas da Braskem foram desalojados desde 2018. Segundo Diego, cerca de 18 mil fecharam acordos com a empresa e o índice de aceitação do programa de compensação financeira chega a 99%. Ainda há ações em curso para reparações em torno das cinco escolas e do hospital de referência em tratamento mental que funcionavam nos bairros isolados.
No entanto, representantes dos atingidos reclamaram das condições dos acordos, alguns assinados em momentos críticos, como durante a pandemia de Covid-19.
O coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Cássio Araújo, sintetizou as críticas ao privilégio que a empresa tem na tomada de decisões. “Há ausência de participação das vítimas nas várias decisões que se tem tomado em nome delas”.
Notícia-crime
A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió se queixou de falta de ação do Ministério Público para punir os responsáveis. Por conta própria, a instituição já havia apresentado notícia-crime em que acusa a Braskem por crime ambiental e fraude em licenciamento ambiental; a Agência Nacional de Mineração por omissão na fiscalização; o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) por emissão de licenciamento em desacordo com a lei; e o BNDES por financiamento de atividade criminosa.
Diante do fracasso da medida, o presidente da associação, Alexandre Sampaio, fez nova tentativa de punição judicial, neste mês, com base em flagrante do “maior crime socioambiental urbano”. “Com o colapso da Mina 18, pedimos de novo ao Ministério Público Federal e comunicamos à Terceira Vara da Justiça Federal que havia um crime ambiental em andamento. O mundo inteiro viu o mangue afundando e pedimos a prisão em flagrante dos responsáveis da Braskem”.
As vítimas também citaram suposto privilégio para a Braskem quanto ao domínio sobre o uso futuro da área hoje interditada nas vizinhanças da Lagoa de Mundaú.
Porém, a procuradora-chefe do Ministério Público Federal em Alagoas, Roberta Bomfim, descartou uso comercial da região. “Essa área não tem condição de exploração. Ela é um passivo da Braskem para ser administrado: existem atividades de descomissionamento e a própria estabilização das cavidades demanda a entrada em toda essa área”.
Novas áreas
Professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Dilson Ferreira cobrou imediata ampliação da área isolada, com a inclusão dos Flexais, área às margens da Lagoa Mundaú e isolada com a interdição dos demais bairros.
“Em caso de algum sismo lá nas minas, pode sim impactar os Flexais e fazer a encosta deslizar sobre a população. Então, tudo isso culmina para que essa população seja sim realocada, apesar de não estar no mapa da Defesa Civil”.
O coordenador de gerenciamento costeiro do instituto ambiental do estado, Ricardo Oliveira, voltou a eximir o órgão de responsabilidade no crime da Braskem. “Nós só fomos notificados dos fenômenos a partir de 2018/19. Antes, nenhuma denúncia, nenhuma constatação de alteração havia. Por isso, as licenças eram renovadas na parte de exploração”.
CPI
Um dos organizadores do debate, o deputado Ivan Valente (Psol-SP) criticou a atuação dos órgãos públicos e defendeu a criação de CPI na Câmara para investigar o caso, como já ocorreu no Senado. “Eu considerei absolutamente frouxa a posição da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal. O Ministério Público é o dono da ação penal. Presidente de empresa que tem responsabilidade sobre vidas humanas e sobre possíveis desastres deve ir às barras dos tribunais”.
A procuradora Roberta Bomfim disse que o Parlamento também tem o desafio de superar lacunas na legislação para lidar com tragédias como a de Maceió, com efeitos sem previsão de duração.
Descendente de alagoanos e coautora do requerimento de audiência pública, a deputada Professora Luciene Cavalcante (Psol-SP) listou as cobranças de providência que encaminhou a várias autoridades federais e estaduais com focos em reparação, fiscalização e responsabilização.
A deputada Duda Salabert (PDT-MG) lamentou que, até agora, ninguém foi preso pelos crimes socioambientais de Mariana, Brumadinho e Maceió, que, segundo ela, revelam o “modo criminoso e irresponsável das mineradoras.
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